Claro que na praia daria para limpar as vistas e recuperar o desgaste. Logo cedo a Kátia se lembrou que ainda precisava comprar uns trecos e lá fui eu novamente. Na volta dei uma corridinha na Florência de Abreu para comprar um protetor facial. Só para fazer cinema, porque sabia que não teria pique para usar. Meio dia, fechamos a conta do Hotel, pegamos um grude no restaurante e partimos para a casa do Silvio. Graças ao Santo GPS, consegui não errar o caminho e dei sorte que o transito está amigão até demais.
A casa do Silvio me lembrou a casa do Nelson. Tem vaso, prato, cuia e etc. de todos os modelos e tamanhos em todos os cantos da casa. O tal do segmentado é realmente impressionante e ver fotografias não é nem de longe como poder ver e pegar nas peças. Os detalhes construtivos são intrigantes, eu diria. Depois de visto e revisto o arsenal, chegamos em uma bola de futebol. Aí eu parei e fiquei imaginando o tamanho do rolo que foi montar a dita cuja. Me perdi nos pensamentos e o Silvio tentava me explicar como foi feito, mas sinceramente: ouvi mas não compreendi. Fiquei apenas olhando para a Bola e imaginando: se o cara fez esta coisa, imagina o que vem por aí... Enquanto isto Kátia e Ivone estavam trançadas em um papo animado e somente foi interrompido quando o Silvio no chamou para prosseguir para São Sebastião, em virtude das obras gigantescas que estão sendo feitas na serra, para duplicação da pista e para não comprometer o horário, partimos.
Até a serra a viagem fluiu tranquila, mas quando começou o trecho em obras, ficou lento. Devagar que nem tartaruga dando marcha a ré subindo ladeira. A Kátia puxou uns salgadinhos e suco do isopor e comentou: Relaxa e aproveita a paisagem. Dava de ler o crachá dos operários.
Acontece que a lentidão do transito me permitiu olhar a paisagem e é simplesmente uma coisa maravilhosa. Como em Brasília quase não tem morro e a vegetação é baixa, rala e retorcida, apreciar aquela região foi uma oportunidade impar. E assim, foi tudo bem e nem percebi o tempo passar. Só me dei conta que anoitecia quando estava descendo para Caraguá. Curvas fechadas, cerração e chuva. Tudo que eu não gosto estava no mesmo pacote e o jeito foi andar a 30 por hora. Na frente o Silvio, Da. Ivone e Jhones. E eu ali, tenso, para não perder o Silvio de vista. Bem, chegamos.
O jhones pulou do carro e disparou pelo quintal, deu uma cheirada no coelho e continuou correndo e espalhando xixi. Nunca tinha visto cachorro amigo de coelho. Arrumamos as coisas e fui conhecer a oficina do Silvio. Espaço bom, máquinas e ferramentas à mão e o principal: o TORNO.
Dei uma olhada para ele e fiquei meio de longe porque o bicho é grande, bruto e tem cara de mal educado. Se eu estava com receio, agora estava mais que assustado. Mas foi só isto e fomos conhecer a geladeira. Lotada de SKOL. Pensei comigo: meu Anjo da Guarda escutou as minhas preces. Abri logo uma e continuamos o papo. O Silvio cheio de idéias e eu rezando para faltar luz no dia seguinte. Assim eu poderia ir para a praia e relaxar.
Que nada. As 7:30 começou a movimentação na cozinha, o cafezinho cheirando. Pulei da cama na velocidade de uma preguiça e fui à luta. Enrola daqui, embroma dali e o tempo passando, almoço, descanso da beleza... mas lá pelas 2 da tarde, não teve jeito. Fui convocado para ir para a oficina.
Lá nas esperava o secretário para todos os assuntos do Silvio. Marcos quero te apresentar o Zé. Eu disse olá e ele falou para o Silvio: "Tá qui o toco que o sinhô pidiu". Apontou para mim e perguntou: "É prá ele?" Pronto, estou lascado, pensei. Que diabos vou fazer com esta metade de tronco? O Silvio vai aprontar alguma para mim... Não deu outra.


Aqui a prova do crime, mas para chegar neste ponto teve uma certa preparação que o Silvio começou assim: Marcos, este é o formão e se usa assim, etc. etc. Foi uma luta memorável para conseguir acertar a distância, pressão, angulo de ataque, linha de corte e tal. O Silvio conseguiu tirar água do asfalto e me interrompeu e corrigiu centenas de vezes, mas três horas depois eu já me sentia quase um profissional na tornearia. Quem começou arredondando a peça claro que foi o Silvio. Ainda não tinha a menor ideia do que seria "tornear na sombra" e minha primeira tentativa resultou em um tranco que quase engoli a goiva. Passado o susto e ouvindo atentamente o mestre, fui me ajeitando.

Aqui o resultado obtido lá pelas 11 da noite. Só o bagaço, mas muito satisfeito em ver o tronco transformado em cuia.

Se não fosse a paciência e insistência do professor Silvio, nada teria saído e confesso que duvidava se conseguiria algum resultado positivo, muito menos uma peça muito legal e prontinha para ser usada. Fiquei feliz demais.
Segundo dia
Acordei no mesmo horário do dia anterior e o cafezinho já estava na mesa. Quando tentei levantar senti que a musculatura estava travada do pescoço a tornozelo. Parecia que havia sido atropelado por uma caminhão. Eu cheio de dor nos braços e panturrilha e o Silvio cheio de planos: Hoje vamos fazer um prato segmentado, disse ... Olhei para ele e nem esbocei reação porque não conhecia o processo mas sabia que teria que emendar um monte de pedacinho e tal... Será? Imaginei. Como no dia anterior ele conseguiu a mágica... vamos ver.
Em questão de minutos e no meio de muitas explicações, surgiu um gabarito com o tamanho das peças e um Jig para a serra BT. Em pouquíssimo tempo as peças de peroba estavam cortadas, as ripas de roxinho cortadas e lixadas na medida.

Hora da montagem. Fita, cola, cinta de borracha para manter tudo no lugar. Agora é só esperar para secar.
Enquanto esperamos é hora escolher e de trabalhar o fundo do prato. Primeiro na serra de fita, depois no torno, até chegar na medida aproximada.
Aqui foi a hora da onça beber água. Tornear o material que ainda não estava bem colado. Todo cuidado era pouco.

Pronto. Hora de colar o fundo e mandar tudo para a prensa.

Secou. Voltamos ao torno e o serviço agora era do tipo: Errou, estragou. O profissional caiu na real e tremeu nas bases, mas o Silvio não deixava o moral baixar e corrigia, incentivava e o Zé, agora mais enturmado, me sacaneava.


Agora eu já estava mais solto no ambiente, recebia a visita da Kátia e Da. Ivone de vez em quando e surgiram os elogios.
Aqui, o resultado dos dois dias e de outras coisas que foram feitas no mesmo dia e na manhã seguinte.










Às vezes temos um vocabulário até razoável, mas em certas circunstâncias é muito complicado encontrar as palavras certas para expressar nosso sentimento de gratidão. É o que acontece aqui agora, porque não sei como dizer muito obrigado amigo Silvio e Da. Ivone. Fomos tratados como se já fossemos próximos de muitos anos e seria demasiado longo listar todas as gentilezas das família do Silvio e do Zé e sua esposa conosco. Para encurtar o papo: O Silvio nos cedeu o quarto dele e foi para o quarto de hóspedes. Então, nada mais a comentar sobre quem é o Silvio e como nos tratou.
Durante as muitas horas de treinamento o Silvio ficou o tempo todo do meu lado e sempre me alertava se tinha algum modo melhor para trabalhar. Me ensinou um monte sobre torno e sobre formões. Aliás, ele fez questão de me fazer usar todos, inclusive uns especiais do Red Baron, para que eu tivesse chance de comparar e entender onde cada um se aplicava.
O Zé, que entende de tudo um pouco, inclusive sobre formões, deu uma "lixadeirada" em algumas de minhas goivas que estavam com corte para entalhe e transformou para o angulo adequado para tornearia. Agora, já tenho goivas no ponto de uso, algumas faltando só encaixar os cabos novos, vistos na fotos.
A cereja do bolo ficou para a última etapa: O copiador. Este realmente valeu muito. Além de poder usar o copiador, me foram passados todos os detalhes construtivos e as principais dúvidas e erros geralmente cometidos. Uma sugestão repetida algumas vezes: Dá uma olhada no post do Turco. Veja como o Samuel fez melhorias no dele. Observe o posto do Red Baron. Fazer um copiador para torno não é tarefa trivial muito menos para quem sabe pouco sobre o torno em si. Então esta chance de ver, pegar, medir, perguntar e tal, foi ótima. Apesar do pouco tempo de uso posso afirmar que o negócio funciona e é "muito simples" de usar.

Bem, estou certo que devo ter esquecido de mencionar alguma coisa mas pelo menos pude registrar aqui a minha felicidade pelo aprendizado e o privilegio de conhecer e ser recebido pela família do mestre Silvio. Obrigado amigo e estamos te esperando aqui em Brasília.